Ford teria perdido mais de R$ 10 mil em cada carro vendido no Brasil
Segundo Reuters, montadora queimou mais de R$ 60 bilhões na década passada para se manter no mercado nacional
Comente e compartilhe
Quando decidiu encerrar a produção de veículos no Brasil, a Ford pegou o mercado de surpresa, mas diante dos enormes prejuízos que a montadora acumulou nos últimos anos, a pergunta que surge é: como ela não quebrou antes?
Uma longa reportagem da nesta quinta-feira, 20, revela números assustadores obtidos em documentos fiscais no país, já que a Ford não comenta e não divulga dados específicos sobre o Brasil.
Segundo o artigo, a montadora queimou nada menos que R$ 61 bilhões na última década, entre prejuízos e injeções de recursos estrangeiros. Pelos cálculos da Reuters, a Ford perdeu cerca de R$ 10,5 mil em média com a venda de cada veículo no país nos últimos oito anos.
Vale lembrar que a marca americana vendeu quase 2,5 milhões de veículos leves no Brasil entre 2011 e 2020, ou seja, daí se vê como a operação aqui era um desastre há muito tempo.
Parte desse prejuízo envolve justamente o encerramento da operação brasileira, que exigirá quase R$ 22 bilhões para ser concluída, graças às indenizações à maior parte dos 5 mil funcionários, fornecedores e a rede de 300 concessionárias, também pegos de surpresa pelo anúncio.
Muita capacidade, quase nenhum interessado
O texto aponta que os eternos problemas burocráticos brasileiros foram fatais para a Ford, como custo de mão de obra, impostos e dificuldades logísticas. Segundo a agência, a marca teria traçado um projeto de mudança do portfólio para oferecer mais SUVs, que têm margem de lucro maior, como tem feito a rival Volkswagen, mas que demorou a sair do papel.
A ironia é que a Ford esteve na vanguarda desse mercado quando lançou o EcoSport em 2002. Foram anos sem qualquer concorrência em que o SUV compacto reinou sozinho, mas enquanto ela se acomodou em cima do sucesso do modelo, suas rivais chegaram com força e a deixaram à míngua.
Não é de hoje que a indústria automobilística brasileira é considerada “exótica”. Com regras próprias e um perfil pouco comum de produtos, o Brasil convive com uma capacidade produtiva enorme, de 5 milhões de veículos anuais (antes da derrocada da Ford) para um mercado interno que não consome hoje metade disso.
O excedente praticamente é ignorado por outros mercados já que o carro brasileiro é caro demais. Tão caro que um estudo de 2019 apontou que carros produzidos no México eram 12% mais baratos que os nacionais, mesmo com todo custo de logística e importação.
Três novos SUVs cancelados
O déficit bilionário não é exclusividade da Ford, como a Reuters mostrou. Volkswagen, General Motors e Toyota também perderam dinheiro por aqui, mas em proporções menos dramáticas. Amenizou isso o fato de o governo brasileiro ter concedido enormes benefícios fiscais, com destaque para a própria Ford, que teria amealhado cerca de R$ 13,7 bilhões desde 2011.
A Reuters apontou a estratégia equivocada de vendas no atacado como uma das razões que levaram a Ford agravar sua situação financeira. Com descontos de até 30% nos preços, a montadora inundou o mercado de vendas diretas e assim deu um tiro no próprio pé.
Ainda de acordo com a reportagem, a Ford preparava três novos SUVs no final de 2019, mas meses depois a pandemia sepultou qualquer projeto de investimento. A empresa ainda tentou manter algum otimismo para este ano até que em janeiro veio a bomba.
Agora, a marca tenta se reerguer no país, desta vez com produtos importados e mais caros como o recém lançado SUV Bronco Sport. Em vez de vender o módico Ka, o novo veículo, produzido no México não sai por menos de R$ 256.900. Ao menos será difícil voltar a ter prejuízo por aqui.
Comente e compartilhe
Comenta o mercado de vendas de automóveis e tendências sustentáveis