Comenta o mercado de vendas de automóveis e tendências sustentáveis
Sem falar com as massas, Peugeot opta por sofisticar ainda mais o 208
Compacto se afasta do consumidor comum, mas sem ter a garantia de conquistar clientes mais abastados
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A expressão “com a faca e o queijo na mão” define com perfeição a situação que viveu a Peugeot no começo dos anos 2000. Graças a uma conjunção de fatores, a marca conseguiu gozar de um prestígio sem precedentes sobretudo no Brasil onde ainda dava os primeiros passos.
Foi a época em que o compacto 206 era um dos carros mais desejados pelo brasileiro. Com seu visual "felino", o hatchback era um oásis em meio a um deserto de carros populares velhos e sem inspiração.
A recepção foi tão positiva que a PSA, holding que controla a marca e também a Citröen e mais recentemente a Opel, não pensou duas vezes em investir numa fábrica no país para ampliar suas vendas. Até mesmo uma versão 1.0 chegou ao mercado, mas vejam só, equipada com o mesmo propulsor do rival Clio, da Renault.
Isso em 2001 quando tudo parecia dar certo para a montadora - o irmão maior, 307, bebia na fonte do 206 para também fazer sucesso. Mas foi justamente quando tinha “a faca e o queijo na mão” que a Peugeot pisou feio na bola. E que pisada.
Inebriada com o status recém adquirido, a empresa descuidou do básico, fazer um carro resistente e barato de manter. Foi também nessa época que os defeitos do 206 começaram a ficar claros: ergonomia pobre que privilegiava o estilo e reduzia o espaço interno para os ocupantes.
A versão nacional era também mais simples e frágil que o veículo importado e logo o carro passou a ser rejeitado no mercado de usados. Não demorou muito para que a fama de mau negócio colasse como “super bonder” na carroceria do modelo.
207 fake
Mesmo com tantos sinais negativos, a direção da Peugeot acabou ignorando o tsunami que se formava e optou por renovar o modelo parcialmente. Em vez de trazer o 207 francês, que havia sucedido o 206 na Europa, preferiu seguir uma receita brasileira: atualizar o estilo do carro em pontos estratégicos como os faróis e grade.
O problema maior, no entanto, foi a infeliz decisão de rebatiza-lo como “207” e não algo como 206 Plus ou 206+. Ao chamá-lo pelo nome do sucessor a Peugeot passou um recado ao mercado de que o consumidor brasileiro não merecia muito crédito da empresa.
Os argumentos para não produzir o 207 verdadeiro eram até justificáveis afinal o carro acabou ficando muito caro e sofisticado para a época. Mas isso não a obrigava a tentar ludibriar o público com um produto desatualizado.
A ficha acabou caindo na cúpula da PSA, mas tarde demais. Desde então a marca tem buscado reparar os erros do passado e uma das iniciativas foi produzir o 208, sucessor do 207, no Brasil.
O modelo nacional, embora não totalmente em linha com a Europa, mostrou-se um bom carro, econômico e moderno. Mas chegou muito tarde a um mercado que já estava cheio de concorrentes bem posicionados e com imagem mais bem avaliada pelo brasileiro.
Restou a Peugeot ir na direção contrária de quase duas décadas atrás, ou seja, sofisticar o modelo em busca de um cliente disposto a gastar mais por ele.
Entretanto, a estratégia não funcionou até aqui. As vendas do 208 foram irrisórias perto do investimento de produzi-lo no Brasil. Há carros importados que mesmo pagando volumosos impostos encontram mais interessados por aqui.
Ex-brasileiro, futuro argentino
Diante de um cenário tão pessimista o que fazer? Talvez fosse hora de jogar a toalha e focar suas forças em segmentos mais prósperos como o de SUVs, mas a PSA tentará mais uma vez uma nova tacada.
Antecipada nesta semana, a nova geração do 208 está ainda mais equipada e sofisticada além de ter recebido investimentos vultosos para sua eletrificação. A ideia pode até ser viável na Europa, mas não na América do Sul.
Por isso acredita-se que o novo 208 que chegará ao mercado da região no ano que vem será uma solução mais simples, mas ainda avançada para os padrões locais.
A novidade é que o modelo passará a ser fabricado na Argentina, país onde os compactos não têm a mesma participação é muito menos volume que no Brasil.
Em outras palavras, tudo leva a crer que a Peugeot enviará o futuro 208 argentino com um nível de sofisticação ainda maior e provavelmente preço também mais salgado. Mas quem pagaria por um produto como esse? Pelo histórico da marca quase ninguém.
Num país em que os dois modelos mais vendidos pertencem à montadoras que reclamam de prejuízos enormes (Chevrolet e Ford) parece impossível pensar que existe espaço para um produto como o novo 208. Talvez se lá atrás a Peugeot tivesse aproveitado a chance que teve a história poderia ser outra.
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